Joelisio Fraga

A Solidão do Diagnóstico: Por que Ainda Falamos Pouco Sobre o Mieloma Múltiplo?
O silêncio em torno de um câncer raro pode ser tão cruel quanto a própria doença.

Há algo devastador em receber um diagnóstico que a maioria das pessoas — incluindo profissionais de saúde — mal sabe pronunciar. O mieloma múltiplo, um câncer hematológico ainda pouco conhecido, desafia não só o corpo, mas também a mente e o coração de quem o enfrenta. E talvez um dos seus sintomas mais cruéis seja a solidão.
Quando fui diagnosticado em 2022, não encontrei panfletos na unidade de saúde, reportagens nos telejornais, campanhas no metrô ou qualquer tipo de informação acessível que me ajudasse a entender o que estava por vir. Me vi, como tantos outros pacientes, mergulhado em uma espécie de invisibilidade oncológica. O mieloma era raro — e, por isso mesmo, parecia não importar.
Esse sentimento não é incomum. A maioria dos pacientes que recebo na associação relata o mesmo impacto: não apenas o choque da doença, mas o abandono informacional e emocional. Alguns chegam a ouvir frases como “é um tipo de leucemia?”, “mas isso tem cura?”, ou ainda “nunca ouvi falar disso”.
Silêncio que machuca
Dados do Ministério da Saúde apontam que o mieloma múltiplo representa cerca de 1% de todos os tipos de câncer e 10% dos cânceres hematológicos. Apesar disso, há um descompasso brutal entre sua gravidade e a visibilidade pública. O desconhecimento leva ao diagnóstico tardio, à negligência emocional e à falta de políticas públicas eficazes para diagnóstico precoce e tratamento humanizado.
Profissionais de saúde, por vezes, também enfrentam essa lacuna. Muitos não têm formação específica para reconhecer sinais precoces como dores ósseas persistentes, fraturas espontâneas ou anemia inexplicável — sintomas que, somados, poderiam antecipar o diagnóstico e salvar vidas.
A importância de dar nome às dores
Iniciativas como o Março Borgonha, mês de conscientização do mieloma múltiplo, vêm tentando romper esse silêncio. Associações de pacientes, movimentos de advocacy e ativistas da causa têm se unido para transformar dor em diálogo, invisibilidade em mobilização.
Quando damos nome à doença, quando a colocamos no espaço público, oferecemos mais do que informação — oferecemos pertencimento. Fazemos o paciente entender que ele não está só, que existe uma comunidade, uma rede, um acolhimento. Isso salva vidas. Isso salva a dignidade.
Por fim, um convite
Essa matéria não é só um desabafo. É um convite. Se você trabalha na saúde, ajude a difundir informação. Se é comunicador, abra espaço para vozes que ainda não são ouvidas. Se é paciente ou cuidador, saiba que sua experiência importa — e precisa ser contada.
Porque falar sobre o mieloma múltiplo é falar sobre empatia, sobre justiça, sobre vida. E nenhuma vida merece ser enfrentada em silêncio.
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